domingo, 29 de julho de 2012

Corpo são, mente sã - uma entrevista com Ivaldo Bertazzo


Vou compartilhar aqui essa matéria maravilhosa do Bertazzo. Aplico alguns métodos dele nas minhas aulas, porque antes de dançar, necessitamos reeducar nossos corpos, nos descobrir como um corpo vivo e buscar qualidade de vida, porque a maioria das alunas não querem ser profissionais.
No site dá para assistir o vídeo com várias dicas e exercício: Bora?


Em um mundo de correria e estresse, o coreógrafo Ivaldo Bertazzo ensina a pessoas de todas as idades o prazer de retomar o domínio sobre o corpo

O paulistano Ivaldo Bertazzo poderia ser um renomado coreógrafo, disputado pelos melhores bailarinos e companhias. Mas ele quis mais. Há quase quatro décadas, divide suas energias entre os dançarinos profissionais e o cidadão comum, carente de informações sobre seu próprio corpo e sobre como lidar com questões como envelhecimento e estresse. De um profundo estudo sobre o funcionamento do aparelho locomotor e da biomecânica humana, ele criou o método que leva seu nome e que propõe a reeducação do movimento – e, consequentemente, do corpo. “Ao nascer, temos um padrão corporal que vai sendo desorganizado por vários fatores, como estresse, trabalho repetitivo e acidentes de percurso, como contusões ou doenças. É fundamental reeducar o corpo para retomar suas melhores funções”, diz. O método não tem contraindicações: homens e mulheres de todas as idades e sem qualquer formação em dança podem segui-lo, adotando exercícios cuidadosamente estudados que servem de alimento físico e mental. “Qualidade de vida significa prevenção, possuir as ferramentas necessárias para lidar com os acidentes de percurso que inevitavelmente surgem ao longo da vida.” Hoje, Bertazzo divide seu tempo entre aulas de reeducação do movimento – na Escola do Movimento, em São Paulo (SP) – e projetos sociais, que levaram o talento do coreógrafo e educador até a periferia, com cursos para pessoas carentes e a formação de uma companhia de bailarinos profissionais.
Fleury: Uma das propostas do seu trabalho é oferecer reeducação corporal a pessoas comuns. O que isso significa exatamente?
Ivaldo Bertazzo: O corpo humano, assim como o de outras espécies, tem uma forma de organização. Ou seja, além da história interior, psíquica e espiritual, ele tem uma engrenagem, uma estrutura, uma inteligência. Nós precisamos entender como isso funciona na prática. Como o pescoço consegue sustentar a cabeça, que pesa em torno de 5 quilos, por 60, 70 ou 80 anos? Saber administrar essa sustentação é reeducar o movimento. Ao nascer, temos um padrão corporal, que vai sendo desorganizado por vários fatores, como estresse emocional, trabalho repetitivo e acidentes de percurso, como contusões ou doenças. É fundamental reeducar o corpo para retomar suas melhores funções.
Fleury: Por que, no dia a dia, negligenciamos tanto os cuidados com o corpo?
I. B.: Desde pequenos, somos orientados a escovar os dentes para evitar problemas estéticos, tártaro e, é claro, despesas excessivas com o dentista. Isso constrói uma cultura sobre a higiene bucal: eu me condiciono a cuidar dos dentes. Contudo, sobre os gestos, sobre a organização motora, não recebemos qualquer orientação. Eu faço algum exercício antes de dormir para ter uma boa noite de sono? No banho, faço alguma atividade para estimular minhas articulações? O corpo é um grande aliado, mas é preciso cuidar bem dele.
Fleury: Como podemos nos educar do ponto de vista corporal?
I. B.: A educação corporal é fruto de gestos muito organizados realizados no cotidiano. Por exemplo: ao me alimentar, eu manuseio da melhor forma o garfo e a faca? E como eu realizo outras tarefas diárias, como varrer o chão ou arrumar a cama? Isso denota organização motora. Meu corpo aprende com as funções cotidianas, mas é preciso estar atento aos gestos: se essa percepção não existe, o exercício é nulo. Caminhar ou correr sobre uma esteira por 40 minutos de forma inapropriada é inútil. É melhor não fazer nada.
Fleury: Que papel a dança tem nisso?
I. B.: A dança é uma forma muito específica de funcionamento do corpo. Cada cultura se especializa em uma. Na Europa Oriental, por exemplo, os pés têm um papel fundamental. São países frios: se você não pular, congela. Nas regiões abaixo do Equador, privilegia-se o movimento de quadris, gestos a favor da gravidade, nos quais deve-se fazer apenas gingados – caso contrário, você transpira demais. A dança se adapta ao clima, à alimentação e à cultura. No nosso intuito de reeducar o movimento, colocamos partículas de movimentos dançantes em aulas. Há dias em que trabalhamos ombros e braços, então, privilegiamos danças em que há movimentos dos mesmos. O objetivo é reeducar o movimento. Então, a dança serve como elemento lúdico do exercício.
Fleury: Como a reeducação do movimento se reflete em qualidade de vida?
I. B.: Ao longo da vida, passamos por etapas difíceis de amadurecimento. A primeira delas é a passagem da motivação infantil para a intelectual, quando a criança começa a escrever, por exemplo. O corpo sofre um pouco, pois não é fácil iniciar esse trabalho de educação ao trabalho intelectual: como sentar na cadeira, como escutar o professor, como escrever. Em seguida, vem a adolescência, outra passagem complicadíssima: a menina começa a menstruar, o menino apresenta uma inabilidade patente para controlar gestos mais finos. A etapa seguinte evidencia a maturidade, por volta dos 28 ou 29 anos. Em geral, é quando a sexualidade e a afetividade estão bem estruturadas, assim como a vida profissional. Finalmente, vem a passagem mais sofrida, rumo à terceira idade, quando há declínios de produção hormonal e de funções como a elasticidade física. Qualidade de vida significa cumprir essas passagens com o menor estresse e sofrimento possíveis, compreender o corpo à medida que se envelhece.
Fleury: Como educar o movimento em cada fase da vida?
I. B.: Em cada etapa, deve-se estimular algo diferente. A criança deve ser estimulada a perceber diferentes níveis de altura com ferramentas, como as barras horizontais – assim, seu corpo se adapta ao espaço. O adolescente precisa trabalhar com exercícios ritmados porque isso aprimora a concentração dele. Na maturidade, é preciso trabalhar questões mais sensoriais e sensuais, como o contato com a pele, a voz e o canto, muito importantes para o trabalho corporal. Na terceira idade, novamente usa-se a percussão rítmica, pois é preciso associar o movimento ao raciocínio. O que a pessoa idosa mais precisa é trabalhar o medo de se desequilibrar com exercícios que, obviamente, não a coloquem em risco. A cama elástica é especialmente indicada para esse grupo. A dança de salão também, pois exercita a noção de espaço, ritmo e coordenação. Quanto mais idade, mais organização motora é necessária. O corpo se organiza ao se contrair e se exercitar. Relaxamento é para momentos de lazer.
Fleury: Você escolheu trabalhar com pessoas comuns. Por quê?
I. B.: Quando, na década de 1970, eu percebi que havia várias manifestações artísticas protagonizadas por amadores, me perguntei: por que isso não acontece na dança? Porque ela está muito vinculada a técnicas que devem ser aprendidas muito cedo, no balé clássico ou na dança contemporânea. São técnicas às quais o corpo se subordina para se transformar em instrumento do coreógrafo. Isso não é trabalho para o cidadão comum. Então, naquele momento, o esporte me pareceu mais adequado do que a dança para cuidar do corpo do cidadão comum. Para que dançar na ponta dos pés, como fazem os bailarinos? Esse movimento não oferece nenhuma saúde motora para o cidadão comum. O pé precisa oferecer um bom apoio ao corpo, como uma ventosa no chão. Então, recriei o ensino do movimento e da dança, voltando-os para o cidadão que vem do escritório. Ele precisa aprender a utilizar o espaço de forma inteligente: pendurar-se, agachar-se, deitar no chão, deslocar-se em linha reta ou em diagonal. Foi assim que iniciei a construção desse método.
Fleury: Como descrever o método Bertazzo?
I. B.: O método da reeducação do movimento está apoiado em todos os pensadores que se preocuparam com o problema neurológico. Isso cresceu no período entreguerras (1918-1939), quando se desenvolveram métodos para tratar as vítimas mutiladas dos conflitos. Desenvolveu-se a reeducação neuromotora funcional nos hospitais. Os pesquisadores se ocuparam com pacientes neurológicos com problemas graves. Nós pegamos essas técnicas e as utilizamos com o ser humano normal. Se faz bem para uma pessoa com problemas muito sérios, por que não faria para as demais? O método se ocupa em incentivar a longevidade cerebral, com um corpo que a acompanhe. As duas coisas devem caminhar juntas.
Fleury: Como trabalhar o cérebro a partir do corpo?
I. B.: O cérebro se alimenta de informações que chegam a ele a partir dos órgãos periféricos – além, é claro, da comida que ingerimos e de motivações emocionais e espirituais. Diferentes estímulos e formas de usar o corpo trabalham o cérebro de formas diferentes. O modo como falo, degluto ou respiro são informações enviadas ao cérebro. É claro que o sistema nervoso central é o condutor de tudo, como o grande diretor de uma empresa: ele comanda os departamentos, ocupados com diferentes funções. Mas ele também se alimenta das informações provenientes desses departamentos. Ele não vive sozinho. O movimento alimenta o cérebro.
Fleury: Qual o retorno que seus alunos lhe dão após o trabalho de reeducação corporal?
I. B.: O retorno mais prazeroso ocorre quando as pessoas comprovam modificações sensoriais. É quando o aluno diz: “peguei em um objeto de forma diferente. Controlo melhor meu desequilíbrio”. É a relação do corpo com o mundo. Há outras mudanças, como um melhor funcionamento do intestino, menor retenção de líquido nas pernas e maior amplitude respiratória.

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