sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Uma menina queimada

Nunca havia percebido o que era o ódio, até que encontrei uma menina de nove anos. Ela me ensinou a verdadeira dimensão do ódio para com o próprio corpo.
Vinha ao estúdio uma vez por semana, acompanhando sua irmã mais nova.

Martita olhava com inveja o rosto belíssimo da irmã. Ela se odiava, e de tal maneira, porque seu rosto, seu corpo, suas pernas, suas mãos estavam cheios de cicatrizes vermelhas, de manchas vermelhas enormes produzidas por queimaduras. Seu rosto tinha sempre um aspecto triste e apagado, dolorido e angustiado, sem vida. Sentada, enquanto observava sua irmã e o grupo de alunas que dançavam, certo dia encontrei-me com seu olhar rancoroso e amargo. Depois de um ano a observar seu silêncio e ver seus olhos, senti a enorme necessidade de dar resposta ao seu desejo de integrar-se à dança.

Pedi à mãe que a deixasse participar das aulas. Ela me disse que ia ser muito difícil, porque sua filha não queria mostrar-se, nunca permitia que a vissem despida e jamais havia posto um maiô.

Comprei uma malha inteiriça e, ao finalizar uma das minhas aulas, dei-lhe de presente e perguntei se queria participar conosco na dança.

Era tal a necessidade de menina – que durante um ano havia assimilado, aparentemente estática, tud o que havia visto – que, quando se integrou, deixou-me comovida com a facilidade de participação diante do grupo. E senti, através dos seus movimentos, o desejo que tinha de fazê-lo.

Lemntamente e sem pressão a mudança foi-se produzindo, e um dia eu a encontrei expressando-se com o movimento, enquanto se olhava pela primeira vez no espelho.
Começou a reconhecer-se e a aceitar-se e, sobretudo, começou a sentir amor do grupo e o que lhe dávamos através da confiança.

Sua expressão transformou-se. Finalmente, pude conhecer seu sorriso. E esse sorriso afirmava a possibilidade de reconhcer o outro espelho, o espelho interno que possuímos, através do qual nós realmente somos.

Seu corpo já não a incomodava. Suas improvisações fizeram-se cada vez mais alegres e descobriu um dia que prodigava sorrisos à sua própria imagem.
O ódio que sentia por seu corpo transformou-se. As danças que ela criava encheram-se de alegria.

Nas improvisações me fazia ver as transformações que experimentava.
Nós temos um pele externa e uma pele interna, Quando nos movemos, expressamos, de acordo com nossa sensibilidade, como somos.

Despertando essa energia, que é criadora, começamos a ver-nos e a sentir-nos de outra maneira.

Nossa querida Martitam que se odiava tanto porque tinha a pele queimada por for a, foi recuperando sua pele interna através da expressão.

A enorme energia que trazia encerrada dentro de si mesma necessitava que chegasse o momento, e chegou. Em que sua pele queimada se transformou em movimento; unindo-se ao grupo de meninas de sua idade começou a descobrir sua outra pele.


Texto extraido do livro: Dançaterapia de María Fux – Summus editorial

3 comentários:

GiGi disse...

Lembrei de uma mensagem:
"Eu gostaria: nunca fez.
Eu experimentei: fez grandes coisas.
Eu quero: faz milagres".

Madame disse...

Isso foi lindo demais. Pena que ainda tem gente que vê a dança como um mero mercado fabricante de réplicas...

Ket/ Blair Boo disse...

a dança é mágica não é?
não há barreira, não há impecilhos...a não ser a vontade e a paixão.

quando ela nos desperta a paixão não importa o físico ou emocional... podemos tudo.
lindo texto

bjooos!